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Turbulência política aliada à crise econômica traz um ar de insegurança ao brasileiro. Se antes a polarização era por conta do posicionamento político entre coxinhas e mortadelas, que promoviam embates públicos que lembravam discussões futebolísticas, agora as diferenças são outras; e elas são expostas em relação as reformas propostas pelo atual governo Temer.

Em qual polo você está: favorável ou contrário as alterações na previdência e na legislação trabalhista?

Na verdade, esse debate vai além e pode servir para outra questão ainda maior: a retomada de uma grande unidade da classe trabalhadora. E isso será colocado à prova esta semana, com a Greve Geral (dia 28 de abril) convocada por todas as centrais sindicais.

Para o advogado trabalhista Sandro Lunard Nicoladeli, essas ações do movimento sindical e dos movimentos sociais se justificam, “a alteração na previdência social e também na legislação do trabalho vão piorar a vida do trabalhador”.

Sandro, que acaba de lançar o livro “Elementos de Direito Sindical Brasileiro e Internacional: (in)conclusões e estratégias possíveis”, desconstrói, nessa entrevista, muitos argumentos usados pela defesa dos governistas. Para o professor de Prática Jurídica Trabalhista e Direito Sindical na Universidade Federal do Paraná, membro da Comissão de Direito Sindical/OAB-PR, além de Mestre e Doutor em Direito pela UFPR, o discurso hegemônico é enganoso.

Sandro, você considera verdadeiro o discurso de que a Justiça do Trabalho favorece em excesso o trabalhador?

Sandro Lunard Nicoladeli – Respondo objetivamente sua pergunta: a Justiça do Trabalho aplica a lei. Mas tem um detalhe que é muito importante: 80% das reclamatórias trabalhistas distribuídas na Justiça do Trabalho dizem respeito ao pagamento de verbas rescisórias (o popularmente conhecido acerto); são empresas que não pagam sequer isso! Ou seja, as ações trabalhistas buscam, em grande volume, o pagamento de férias, 13º, depósitos do fundo de garantia, saldo de salário, assim por diante. Então, é uma falácia dizer que a Justiça do Trabalho protege o trabalhador; ela aplica a legislação, que, em qualquer país desenvolvido do mundo, protege a parte mais fraca dessa relação. Portanto, é enganoso esse discurso. O que a Justiça do Trabalho faz é aplicar uma legislação protetiva.

Além disso, a Justiça do Trabalho não é nada fantasmagórica ou extraordinária, é só o cumprimento das regras. Limitar a atuação dela significa dizer que o estado não deve se meter na relação patrão e empregado, o que eu acho, como princípio, bom; mas isso num país em que não ocorra trabalho escravo (e isso ainda existe no Brasil), trabalho infantil (e isso também ainda existe no Brasil), além do inadimplemento de verbas básicas, ou seja, se nós estivéssemos em outro estágio de desenvolvimento social e econômico, seria razoável que o estado se afastasse, mas essa não é a realidade brasileira.

Outro argumento usado pelos governistas é que as leis trabalhistas precisam ser modernizadas e que há muitas ações na Justiça do Trabalho. Esse discurso é verdadeiro?

SLN – O Brasil hoje tem cerca de 50 milhões de trabalhadores com carteira assinada, a famosa carteira de trabalho; numa população de 200 milhões de habitantes. Nós somos um país superlativo, com números grandes. Se você pegar toda população economicamente ativa, nós chegamos a 104 milhões de pessoas. Então, desses 50 milhões, nem 3 milhões ajuízam ações trabalhistas, o que desmantela esse argumento, essa falácia. Menos de 10% dos trabalhadores ajuízam ações trabalhistas e, desse contingente, 80% pede verbas básicas. Nós estamos matando o paciente com a dose errada da medicação.

Para corrigir os problemas econômicos e sociais no Brasil não se acaba com direitos dos trabalhadores e com a Justiça do Trabalho. Nosso país é muito diferente de outros países, aliás, não é possível comparar, somos mais desenvolvidos, do ponto de vista de regulação do trabalho, que os EUA, por exemplo. Olhar para lá é nos levar para a precarização, para a flexibilização de direitos, e isso, como pode sugerir esse discurso de modernidade, representa atraso e menos dinheiro no bolso do trabalhador. A modernidade sempre vem como uma palavra bonita e charmosa, mas nesse caso, com as reforma trabalhista e da previdência, não.

Você afirma, então, que a proposta de reforma, seja na previdência ou trabalhista, cumpre uma agenda que busca enfraquecer os direitos do trabalhador?

SLN – Sem dúvida. Só para você ter uma ideia, eu fui ler o Projeto inicial, o que foi encaminhado pelo Michel Temer para o Congresso, com nove páginas, no dia 23 de dezembro de 2016. Agora, em abril de 2017, o mesmo documento foi apresentado e aprovado com 140 páginas. Ou seja, há um apressamento desnecessário para discutir uma alteração tão profunda e significativa na legislação. São mais de 200 artigos na CLT, todos os aspectos, desde jornada, remuneração, funcionamento da Justiça do Trabalho, não são alterações para se discutir em tão pouco tempo. Isso já sinaliza algo estranho e que causa preocupação.

E no ponto de vista da reforma previdenciária, por exemplo, existe maior mobilização e pressão aos parlamentares, mas é fundamental que as duas frentes andem juntas, por isso, dia 28 de abril, é preciso que todo mundo, de alguma forma, auxilie, participe ou demonstre indignação com essas mudanças. Elas farão com que os trabalhadores demorem mais tempo para atingir a aposentadoria, ou nem atinjam, além de fazer com que os trabalhadores tenham seus direitos rebaixados, justamente no momento em que se aumenta o desemprego e a desigualdade social.

O que se pretende com essas alterações drásticas? Você acha que falta de dialogo entre políticos e sociedade?

SLN – O que é fundamental dizer sobre essas alterações legislativas é que se a gente quer um país forte, desenvolvido, sem desigualdade social e econômica, nós precisamos manter esse colchão, que é a seguridade social via previdência e as normas que protegem o trabalhador, que é explorado no dia a dia, ninguém nega isso, e a legislação é um sistema protetor mínimo. O cenário é de extrema dificuldade política e econômica, onde há um derretimento das instituições, em que não se sabe quem manda; sé é o Supremo ou o Executivo, ou se um juiz de primeiro grau manda mais que um ministro. Então a gente vive numa transição muito aguda e não me parece que a correria é a melhor conselheira para encaminhamentos tão profundos.

Outra questão é que esse parlamento, que tem grave problema de legitimidade, não foi ouvir a sociedade, porque está afundado num lamaçal de denúncias. Há uma crise de legitimação. E eles têm que ouvir a dona de casa, o pintor, o operário, o porteiro, o agricultor, todo mundo precisa ser ouvido. A câmara de vereadores é um espaço para o debate, a assembleia legislativa e os sindicatos. Porque, nesse momento, quem se levanta e denuncia as reformas é o movimento sindical.

Por falar em sindicatos, muitos dizem que há muito sindicato no Brasil. O que você acha disso?

SLN – Não acho que é verdade que exista muito sindicato. O Brasil é um país grande e, como eu já disse, os nossos números são superlativos. Dos aproximadamente 15 mil sindicatos existentes, uma parcela significativa representa os trabalhadores rurais e outra parcela significativa representa os autônomos. O que resta, cerca de 8 mil sindicatos, se divide entre sindicatos de trabalhadores e sindicatos de empregadores, além disso, há sindicatos de servidores públicos com uma legislação própria. Dizer que tem muito sindicato no Brasil é meio que chover no molhado.

A questão é: esses sindicatos têm representatividade e têm legitimidade? Para saber, é preciso fazer um ajuste de lentes, aproximando, do ponto de vista microscópico, cada realidade e a partir daí tirar uma conclusão. É uma afirmação muito leviana dizer que tem muito sindicato. Eu posso dizer, por exemplo, que existe muito posto de saúde no Brasil, já que é um país muito grande, mas será que existe o suficiente? Então, é esse o debate mais aproximado que a gente deve fazer.

Na opinião pública existe até um preconceito contra entidades que defendem os trabalhadores. Como fazer para mudar isso?

SLN – Acho que a criação de uma grande agência de informação sindical seria fundamental para construir uma cadeia de informação. Produzir de acordo com os interesses da classe trabalhadora. O que eu vejo hoje é uma imprensa sindical ainda muito pulverizada, que acaba não tendo uma articulação nacional. São importantes e necessárias as iniciativas que vejo no Brasil, mas as centrais sindicais, ou cada central sindical, deveria ter um boletim nacional com informação para rede social, Whatsapp e Facebook; de maneira mais sistemática, acompanhando a agenda nacional, mas também estabelecendo uma contracultura, do ponto de vista da formação jornalística. Porque a grande massa se informa a partir do Jornal Nacional, esse é o grande formador de opinião no Brasil, por isso é importante que aquele que nos lê tenha outras fontes de informação. A nossa opinião vem formatada, então é importante os contrapontos.

Você acha que a crise de representatividade está na Justiça do Trabalho ou na classe política?

SLN – A Justiça do Trabalho, como qualquer outro ramo da justiça, também é um poder que emana do povo. Embora os componentes da justiça façam concurso público para ascender aos seus cargos, eles são financiados pelos impostos da população. Quando pagamos o imposto pra previdência, certamente esse dinheiro circula e é usado para pagar todos os poderes da república, todos os poderes do estado, todos os poderes do município. Então, qualquer pessoa que pague um tributo, que pague um imposto, tem o direito de cobrar, independente se é do judiciário, do legislativo ou do executivo.

Por isso, eu digo o seguinte: há um problema geral de legitimação. Não é pelo fato do judiciário passar via concurso público que eles não devem prestar conta à sociedade, aliás, o judiciário tem muito que prestar conta, porque, em alguns pontos, existe situações que a população brasileira gostaria de obter mais informações. Assim como o legislativo, que está sempre no olho do furacão, precisa ouvir mais a população, já que são eleitos pelo voto popular. O compromisso do parlamentar não termina na urna, ele começa na urna, com a prestação de contas e ouvindo a sociedade.

Por Regis Luís Cardoso, texto e foto
Sindimovec